O GOVERNO E A ÉTICA

26/12/2010



Sérgio Cavalieri

O Brasil tem avançado no campo da ética e dos valores, embora ainda muito lentamente. Apesar das malufadas de última hora, a Lei da Ficha Limpa é o exemplo mais recente e apresenta saldo positivo, mas ainda é pouco diante dos descaminhos que se vê no País. Nos últimos dias de 2010, uma série de acontecimentos pouco edificantes coloca a sociedade brasileira em posição de alerta: a tentativa de legalização dos bingos e de recriação da CPMF, o aumento superior a 60%, que se auto-concederam deputados e senadores, e a divulgação de pesquisa que aponta o Brasil como País campeão na cobrança de impostos no mundo. No caso dos parlamentares, registre-se que passam a ganhar mais que seus pares de países desenvolvidos – quinze por cento mais que parlamentares dos Estados Unidos, cuja economia é 10 vezes maior que a brasileira.

De outro lado, o Brasil se consolida como o país emergente que mais cobra impostos em todo o mundo – em 2010, a carga tributária chegou a 34,5% do Produto Interno Bruto, superior à praticada em países como Espanha, Suíça, Estados Unidos, Chile, México e Reino Unido, com pelo menos duas diferenças fundamentais: na maioria destes países, a qualidade dos serviços que o Estado coloca à disposição da população – educação, saúde, transportes, infra estrutura – é muito superior à vigente no Brasil; e, neles, também a qualidade do gasto público é melhor, não ocorrendo despesas questionáveis como, por exemplo, a compra de um novo avião para servir à presidência da República.

Na verdade, a ineficiência e a ganância tributária no setor público começam exatamente pela forma como ocorrem as tratativas para a composição das equipes de governo, como vemos ocorrer neste momento. Em larga escala, o modelo utilizado no preenchimento dos cargos públicos no Brasil explica os descaminhos que caracterizam a ineficiência da gestão pública, ainda farta em exemplos de corrupção. Neste processo, lamentavelmente, o que menos conta é a competência e o mérito dos escolhidos. É uma constatação que vale para todas as instâncias e esferas de governo – das menores prefeituras às esplanadas do poder; de ministros a chefes de seção. É compreensível que alianças e composições façam parte da política, mas os partidos têm o dever de apresentar nomes honrados, que tenham predicados e espírito público para ocupar seus postos. O que estamos assistindo é exercício do toma lá, dá cá. Todos querem, em primeiro lugar, o controle sobre órgãos de grandes orçamentos, que permitam o exercício máximo do poder e ofereçam potencial para barganhas políticas que só interessam aos próprios políticos e aos partidos.

A contrapartida é a formação da chamada base aliada no Congresso, que assegura o apoio incondicional na apreciação de propostas do poder central, independentemente de sua importância para o País. As consequências são as mais deletérias possíveis: anula-se a oposição na sua capacidade e missão legislativa de fiscalizar o Executivo, transforma-se o Congresso Nacional em mera extensão do Executivo e elimina-se o contraditório, o que, quase sempre, leva a decisões de má qualidade, desconectadas dos reais interesses da sociedade. Nunca é demais lembrar que membros do Executivo e do Legislativo são eleitos para servir ao povo, não para Jogos de Moto Jogos de Tiro servirem a si mesmos, quase sempre mutuamente, numa relação simbiótica e espúria, do tipo é dando que se recebe. Só que na política brasileira, ao invés de representar a doação gratuita e amorosa da oração de São Francisco, a expressão se traduz em benesses, privilégios e trocas interesseiras de favores.

Este é um tema absolutamente pertinente, uma vez que celebramos, no começo do mês, o Dia Mundial de Combate à Corrupção, quando a ONG Transparência Internacional lançou o indicador Barômetro da Corrupção: a constatação é a de que para 64% dos brasileiros a corrupção aumentou no país nos últimos três anos (somente 9% viram redução nos índices). Também foi divulgado, pela revista inglesa The Economist, o índice de democracia, no qual o Brasil caiu seis posições no ranking mundial entre 2008 e 2010. Não há alternativa: a reversão deste cenário, com a transformação do país, começa com cada um de nós – cidadãos, empresários, donas de casa, estudantes, ativistas do terceiro setor, sociedade organizada. Compete a cada um, e a todos, dar o exemplo da ética e retidão, de se indignar contra os descalabros, de agir e demonstrar, claramente, a insatisfação. Compete a nós, igualmente, atuar para influir nas decisões que nossos representantes no poder legislativo tomam no dia a dia. Para isso, na composição da equipe de governo o primeiro compromisso deve ser o de formar quadros capazes de conduzir com ética e responsabilidade a coisa pública, além de zelar pelo bem comum, pressupostos que se destacam na doutrina social cristã na qual se inspira a ADCE. Neste momento, a presidente Dilma Rousseff enfrenta o desafio da boa escolha. É importante que Sua Excelência se lembre de que o apoio majoritário que obteve nas urnas vale também para assegurar-lhe independência na formação da equipe de governo.

 

Sérgio Cavalieri é presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa/ADCE-MG.

 

Fonte: Estado de Minas 26/12/2010


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